[carimbo Oswaldo Cruz]                                            Pará, 28 de Junho de 1911

Minha adorada Miloquinha,

Há aqui no valle do Amazonas um pequeno pássaro que os índios denominam “Uira-purú” que significa “pássaro encantado”. Este animalzinho, pequeno como uma [ilegível] é raríssimo. Vive cantando escondido nas frondes das castanheiras e de loiro-rosa. O cantar desse passarinho é tão melodioso que todas as aves da circunvizinhança acompanham-no, assim como as feras da região, que ficam em êxtase ouvindo o mavioso canto da ave da fortuna e todos [ilegível] porfiam em evitar-lhes o ataque dos abutres ou outros inimigos.

É o rei dos cantores das florestas amazônicas e o portador da eterna felicidade. Segundo os assertos da pajelança, quem possuir uma pluma da uira-purú gozará da eterna felicidade e será sempre acompanhada da saúde, da virtude, de oiro e de bem estar. Todos porfiam em possuir o amuleto portador da felicidade eterna, mas raros conseguem, porque o passarinho divino é raríssimo. Conheço pessoas aqui, que passaram em vão a vida à procura duma pena de uma assinha sagrada.

Quis a sorte que travasse em relações com um rapaz, estudante de medicina, a quem a Mãe, no meio das lágrimas de despedida confiara ao filho querido, como relíquia da família, um uira-purú embalsamado em carajurú e conservado em uma puçanga (pequena bolsa de couro).

Este rapaz deu-me as penas que junto te envio e que são as mensageiras dos mais ardentes votos que faço para que Deus transforme em realidade a crendice do gentio e que conceda à mais perfeita creatura que encontrei em minha vida a effectividade dos favores que a vida attribui ao mimoso uira-purú e que se cifra na mais completa e ininterrupta felicidade. 

São estes os votos sinceros que com os mais effusivos beijos e com as mais pungentes saudades daqui te envia quem aqui ainda se esforça para te trazer o último dos elementos que constitui a felicidade.

O teu saudosíssimo

                Oswaldo

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