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Nova York, 10 de novembro de 1907
Minha querida Miloca
Espero a toda hora um telegrama. Teu pai escreveu que até o dia 8 estaria mudada e me telegrafarias. São 10 e não recebo notícias! Com a distância e o isolamento levo a fazer conjecturas de toda sorte. Já estarás livre? Tu não podes imaginar o que é estar-se distante dos entes queridos, sem notícias, e é por isso que eu escrevo-te constantemente, para te poupar os sofrimentos por que estou passando. O tempo aqui tem estado péssimo. Chove constantemente. Revi definitivamente o meu itinerário, que será o seguinte: Parto depois de amanhã, 12, para Washington, onde ficarei até 19 ou 20. Seguirei depois para o México, onde chegarei a 26, após 6 dias de caminho de ferro. Permanecerei no México até dia 7 em que tomarei o trem para New York, em que chegarei a 14, embarcando nesse mesmo dia no Lusitania, que me levará a Liverpool, onde chegarei a 19 e ficarei até 22, partindo para “Londres” onde permanecerei até o final do mês, seguindo depois a Paris onde ficarei o tempo necessário para fazer algumas compras. De modo que quando receberes esta, e se quiseres telegrafar-me, pode fazê-lo dirigindo o telegrama “F. passageiro a bordo do Lusitania – New York”. O navio deve partir ao meio dia de 14, e chegarei a N. Y. a 13 ou 14 pela manhã. São estes os meus planos, que bem poderão ser alterados. De modo que, como vês, estou desorientado sem notícias tuas justamente quando mais tenho necessidade dellas!
N. York é uma cidade muito agradável e tenho muito desejo que a conheças. As moças aqui vestem-se todas admiravelmente e o interessante é que há aqui muitos negros e as negras vestem-se também à última moda, usando todos chapéus e grande penteados. Não se encontra senhora alguma sem chapéu, qualquer que seja a cor. Moro na rua mais chic, a 5ª Avenida. As ruas não têm, em geral, nomes, são designadas por meio de números, o que é muito prático. Ninguém bebe vinho ou cerveja, a bebida nacional é água gelada, que é distribuída profusamente, desde a manhã até a noite, quer faça calor ou frio. O prato nacional é o “perú”. Tenho me fartado de comer perú, é o feijão dos americanos. A vida aqui é terrivelmente cara, talvez mais cara do que ahi. Estou afflicto para voltar, senão fico completamente arruinado. As comodidades nos hotéis são numerosas. No quarto tenho lavatório com água quente e fria, telefone para todos os Estados Unidos, banheiro esplêndido, com água quente e fria e um aparelho interessante e muito prático. Imagina um grande relógio em cujo mostrador se acham escriptos em sentido dos raios do círculo todas as necessidades que se pode ter com mais urgência: por ex. papel, tinta, creado, carregador, menu, jornais, uma lista dos principais pratos, frutas etc. água gelada, barbeiro, etc, etc,. Basta levar o ponteiro à indicação desejada e apertar um botão. Dentro de menos de 5 minutos tem-se no quarto o que se deseja. Esqueci de dizer-te que junto ao quarto tem-se uma abertura para uma caixa de correio sem se sair dos aposentos em que se vive. Os bondes são todos electricos e andão a uma velocidade de aterrar. Há, além dos bondes que se sucedem todos os segundos, formando quase que uma fila contínua, um trem subterrâneo e vários aéreos, de maneira que quem passa pela rua tem sobre a cabeça um comboio a desfilar com toda a rapidez e sob os pés um outro. O barulho é infernal e há uma verdadeira agitação de colmeia. No hotel há à disposição dos hóspedes: o telégrafo para todo o mundo, o telégrafo urbano, agência de bilhetes para todos os theatros, caminhos de ferro e vapores. Há empregados que escrevem sob dictados em machinas de escrever. Há estações de telégrafos sem fio para que se comuniquem com passageiros que estão à bordo de navios em alto mar. As casas de negócios são um luxo extraordinário, mas como já te disse, não se pode comprar nada. Os preços são só para americanos, que não falam senão em dinheiro, o que já é pra ele uma mania. Os theatros estão todos funcionando e cheios de notabilidades de todo o mundo. Actualmente estão aqui o Senatello, no Lyrico, o Cavalllieri em outro theatro lyrico, e o Kuheli, no Hippodromo, e já embarcarão o barytono Laville e um outro para outros teatros, de maneira que eles reúnem em uma só temporada uma séria de notabilidades. Mas também a cidade tem mais de 3 milhões de habitantes, e a julgar pelo que se vê, parece que a maioria é constituída de gente rica. As moças aqui são também empregadas nos cafés, hotéis, armarinhos, telégrafos, telefones etc. É incrível a quantidade de egrejas que por aqui há: todas protestantes. Interessante é o culto que aqui existe pelos elevadores; o americano tem orgulho enorme dessa verdadeira instituição nacional, que os leva em menos de 1 minuto ao 20º ou 30º andar das colossais casas que eles denominam “arranhadores de céu”. Queria ver-te, ou à tua mãe num desses elevadores: apenas se entra que eles sobem ou descem numa carreira vertiginosa que quase tonteia! E cada casa tem 4 ou 5 elevadores que, por assim dizer, nunca param. Como já te disse, os carros de praça aqui são caríssimos e são denominados “cab” que são umas pequenas victorias em que o cocheiro vai sentado junto à tolda e por trás do carro. Fui ontem visitar a Directoria de Saúde e o Hospital de Tuberculosos. Receberam-me com toda a consideração e distincção, e o diretor do hospital trouxe-me à casa de automóvel. Tenho me fartado de errar os bondes e os trens. Ainda ontem meti-me num trem subterrâneo, que era um expresso e não parava e levou-me para fora da cidade. Quando saí debaixo da terra estava num paiz desconhecido! Enfim vou-me arranjando com meu inglez e não perco completamente.
Hoje é domingo, um dia morte e chove impiedosamente. Esquecia-me de dizer-te que aos sabbados ao meio-dia todas as repartições, bancos, consulados, etc, fecham. A segunda metade do sábado é considerado dia santificado. De modo que aqui eles têm um domingo e meio.
Adeus minha querida Miloquinha. Faço ardentes votos de que estejas com saúde, assim como nossa nova filhinha. Carícias a todos os filhos dos quais estou saudosíssimo. Saudades a todos os nossos e um estreito abraço e carinhosos beijos do teu exilado quase morto de saudades.
Oswaldo.